segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Esculhambação Estadual

O Vice-Governador de São Paulo, Alberto Goldman, escreveu um artigo para o Correio Braziliense intitulado "São Paulo: grandeza e humildade". Da grandeza de São Paulo, ninguém duvida. Mas a tentativa do Senhor Goldman em provar a humildade dos paulistas deixa muito a desejar. Eu diria mesmo que contribui contra o que ele quer provar. Senão vejamos.

O texto inicia indagando: Qual a razão da pujança do Estado de São Paulo? com total e completa humildade. E continua:
"aprendemos que cultura do café, face à existência de boas terras em São Paulo e de uma demanda mundial crescente, tornando-se o principal produto de exportação do país, atraiu para o Estado a mão-de-obra necessária para o cultivo do produto."
Também aprendemos nas aulas de Português que o verbo deve concordar com o sujeito, dessa forma, devo crer que a cultura do café tornou-se o principal produto de exportação? A cultura? Não seria o café? Aliás, por causa dessa cultura cafeeira, o Governo Federal teve que comprar o excedente cafeeiro, que ficou mofando nos estoques, para manter o preço. Toneladas de café foram jogadas fora por causa dessa cultura cafeeira. Mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso é a pujança do Estado São Paulo, não é mesmo? Foco no tema. Então... a cultura do café dá de cara com as boas terras paulistas e a demanda mundial crescente e transforma o café no principal produto de exportação do Brasil, atraindo mão-de-obra.

Daí ele infere que, dentre as razões do desenvolvimento de São Paulo, a mais significativa talvez tenha sido o conjunto de imigrações e migrações (sic) que povoaram o estado. Ficou confuso? Aprendemos nas aulas de Português e de Geografia, que migração é o trânsito de pessoas (por isso fluxo migratório: gente que sai de um lugar e entra em outro). Imigração é entrada e, emigração, saída. Logo, os imigrantes que foram pra São Paulo, são emigrantes de seus países de origem e todos eles são migrantes.

O diferencial desses imigrantes, Italianos, Japoneses, Árabes, Judeus, Portugueses e Espanhóis, era que, apesar de pobres, carregavam culturas milenares que lhes possibilitaram trabalhar e crescer socialmente.
Quer dizer que o fato de carregar cultura milenar basta para que uma pessoa trabalhe e cresça socialmente? Melhor dizendo... um pobre que não carrega essa cultura milenar não pode crescer socialmente? Aliás, o brasileiro pobre não podia trabalhar e crescer socialmente porque lhe faltava cultura milenar? Ai Céus, está piorando...

Por outro lado, a cultura milenar do japoneses, dos árabes e dos judeus é fato. Mas não há que se falar em cultura milenar de italianos, portugueses e espanhóis. A cultura desses povos passou por inúmeras transformações até o século XV, quando pode-se começar a falar de cultura dos países europeus.

Posteriormente vieram os imigrantes nordestinos e, tudo isso, mesclado às populações indígenas nativas e aos escravos africanos (... não tinha sido abolida a escravidão? Não seriam ex-escravos?) formou uma população mestiça que se chama hoje de paulista. Tal mistura seria a razão do dinamismo de São Paulo.
Ah... desculpe. Achei que fosse brasileira. Sim, porque isso aconteceu em quase todo o Brasil. Logo, deve ser a razão do dinamismo brasileiro (caso exista); ou devo crer que o dinamismo de São Paulo se deve a outro fator que não a mistura brasileira.
Outra coisa, se hoje é chamada de paulista, como era chamada antes? Respondo: paulista também. Desde o tempo das bandeiras, os nascidos na Vila de São Paulo eram assim denominados. O adjetivo paulista antecede as imigrações do século XIX. Vem desde os tempos do Brasil Colônia.

"Suas terras férteis, suas indústrias de alto desenvolvimento tecnológico, seu porto marítimo, os investimentos estrangeiros e, posteriormente estatais, em ferrovias e energia elétrica, seus hospitais de referência e suas consagradas universidades, sustentados pelo orçamento do estado e abertos a todos, transformaram São Paulo nesse pedaço vibrante do Brasil".
Investimetos estrangeiros, estatais, "sustentados pelo orçamento do estado". Acho que ele está falando que os investimentos estrangeiros e estatais referem-se tão somente às ferrovias e energia elétrica e que os hospitais e universidades são sustentados pelo orçamento do estado. Mas não é verdade que existe um repasse da União? Principalmente para educação? Tá, eu sei, o Estado de São Paulo contribui com a maior parte da arrecadação. Mas precisa jogar na cara assim? "sustentados pelo orçamento do estado"? Não era pra ser humilde?

Por isso, em São Paulo, não existe o bairrismo. E talvez por isso mesmo, quando nós, os paulistas, nos atiramos na vida política, vemos mais o Brasil em toda sua dimensão do que os limites de uma província, por mais importante que seja e por mais que a amemos".
E o bairrismo??? Não existe. Nessa frase não tem nada que indique bairrismo. Na-di-nha!

"Tão avessos os políticos paulistas são ao provincialismo e ao racismo que a cidade de São Paulo elegeu como seu prefeito Celso Pitta, negro e carioca".
Opaaaaaaarô parô!
Devo lembrar que quem elegeu o prefeito foi o povo, e não os políticos. Política é política, são acordos, articulações buscando um objetivo final. Como já dizia Maquiavel, os fins justificam os meios. O político é capaz de fazer aliança com seu inimigo se isso for ajudá-lo a almejar um objetivo (pessoal, nacional, estadual, qualquer objetivo). Portanto, não prova nada a respeito dos políticos. Se provasse alguma coisa, seria que o povo paulista não é provinciano e racista. Mas e daí? Os Estados Unidos também elegeram um negro. E são mais "provincianos" (em termos de nação) e racistas que qualquer estado brasileiro.

E por fim, o penúltimo parágrafo não dá para engolir:
Um fato recente (1) ilustra essa conduta dos paulistas. Quando, em 1986(2), ao fim da ditadura, procurava-se o melhor nome das forças democráticas para enfrentar o paulista Paulo Maluf (3) , a escolha foi coordenada por dois homens (4) que eram os maiores símbolos da luta democrática: Ulysses Guimarães, o comandante da oposição ao regime militar, e Franco Montoro, o governador de São Paulo, que tinha, sabidamente, o maior apoio popular(5). Mas, com a visão de estadista, no interesse do Brasil e da transição democrática (6), Montoro articulou a escolha do mineiro Tancredo Neves que, com total apoio dos paulistas, (7) venceu o pleito. São Paulo é assim: grandeza e humildade (8).

1. Recente? Há mais de 20 anos? Depois disso não houve nenhum outro fato significativo da conduta humilde dos políticos paulistas? Nenhuma??? Hum...
2. A eleição de Tancredo Neves ocorreu em 1985. As escolha do nome se deu em 1984.
3. Paulo Maluf, paulista, eleito prefeito (duas vezes), governador e deputado pelo Estado de São Paulo, tendo inclusive recebido a maior votação do país em 2006 (739.827 votos dos paulistas). Percebe-se que Paulo Maluf tinha bastante "apoio popular".
4. Dois homens? Aposto minhas fichas que tinha pelo menos mais um na jogada: o próprio Tancredo Neves, que já vinha planejando sua candidatura desde 1983.
5. Franco Montoro tinha mais apoio popular? Talvez mais do que Ulysses, mas naquela conjuntura, o importante não era tanto o apoio popular, e sim, a capacidade de conciliação. Tancredo tinha maior aceitação pelos militares do que Ulysses e com certeza maior apoio popular que Montoro. Além do mais, o que importa o apoio popular? As eleições foram indiretas.
6. Quer dizer que, Franco Montoro, num ato sublime, renunciou à vitória certa à Presidência da República pelo bem maior da Nação? Claro que não! Ele era um político, oras. Articulou a candidatura de Tancredo porque era o homem capaz de reunir maior apoio e tinha maiores chances de vencer. Obviamente a participação de Montoro foi fundamental, mas ele não foi o único. Não podemos menosprezar o trabalho dos outros atores naquele processo.
7. Total apoio dos paulistas? Vejamos: Tancredo venceu com 480 votos x 180 pró-Maluf; 17 abstenções e 9 ausências. Eram 686 parlamentares. Os 5 estados que mais contribuíram foram Minas Gerais (57 votos), São Paulo (50 = 24%), Rio de Janeiro (42), Paraná (37) e Bahia (35). Eram 71 paulistas, foi maioria, e não apoio total. Só pra constar, eram 66 parlamentares mineiros, 53 cariocas, 41 paranaenses (quase total!) e 41 baianos.

8. Que São Paulo é o estado mais importante do Brasil, no mínimo, economica e politicamente, todos nós sabemos. Que o povo de São Paulo é originário da imigração européia, japonesa, etc, misturada com os ex-escravos e índios, nós também sabemos. Que o Estado de São Paulo merece respeito pela história, economia, esforço de sua população, é verdade. Mas tentar atribuir uma característica a todo o povo paulista baseado em argumentos falaciosos, sem qualquer critério científico ou observatório é abusar da inteligência. Pode ser que o paulista seja humilde, pode ser que o Estado de São Paulo, com toda sua magnificência seja humilde. Mas não pelos motivos apontados pelo Senhor Vice-Governador que, inclusive, em diversos pontos de seu discurso demonstrou o contrário.

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